A Revisão dos Atos Concessórios de Drawback pelo DECEx – Aspectos tributários

Em meados de 2005, o Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria Geral da República no Rio Grande do Sul, resolveu recomendar ao Sr. Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, bem como ao Diretor do Departamento de Comércio Exterior, com fulcro no artigo 6º, inciso XX da Lei Complementar nº 75/93, que fossem revisadas, no prazo de 06 (seis) meses, as operações de Drawback concedidas com base no artigo 5º da Lei nº 8.032/90 nos últimos 10 (dez) anos.

 

Tal revisão, no entender do Ministério Público Federal (MPF), deveria ser pautada pelos seguintes parâmetros: (i) se a licitação foi realizada por entidades sujeitas aos ditames da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações); (ii) se houve previsão de fruição do benefício fiscal no edital da licitação; e (iii) se foi atendido o conceito de industrialização (fabricação) previsto no Regulamento do Imposto sobre Produtos Industrializados (RIPI), especialmente no tocante às exclusões do conceito de industrialização constantes do referido normativo.

 

Com isso, temos que o MPF formulou tal recomendação com o amparo da sua própria interpretação do artigo 5º da Lei nº 8.032/90, com redação dada pela Lei nº 10.184/01, isto é, tal recomendação foi feita estritamente com base no entendimento do referido órgão.

 

Antes de adentrarmos ao mérito do tema, cumpre fazermos a transcrição do referido dispositivo legal para melhor acompanhamento e compreensão. Dispõe o referido artigo:

 

“Art. 5o O regime aduaneiro especial de que trata o inciso II do art. 78 do Decreto-Lei no 37, de 18 de novembro de 1966, poderá ser aplicado à importação de matérias-primas, produtos intermediários e componentes destinados à fabricação, no País, de máquinas e equipamentos a serem fornecidos no mercado interno, em decorrência de licitação internacional, contra pagamento em moeda conversível proveniente de financiamento concedido por instituição financeira internacional, da qual o Brasil participe, ou por entidade governamental estrangeira ou, ainda, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, com recursos captados no exterior.”

 

Assim, com base no referido artigo, o Drawback Suspensão poderia ser utilizado também para a industrialização de matérias-primas e produtos para posterior revenda no mercado interno, isto é, não seria mais necessária a exportação dos mesmos para que fosse pleiteada a suspensão do pagamento dos tributos incidentes sobre a importação destes produtos.

 

Aproveitamos para abrir um parêntese aqui, para frisar que não será o escopo do presente trabalho a abordagem do conceito de “Licitação Internacional”, o qual foge da seara tributária. Outrossim, evitaremos adentrar no conceito de industrialização, na medida em que boa parte das empresas beneficiárias, senão a sua totalidade, se atentaram ao conceito previsto no RIPI, haja vista que o mesmo já estava consolidado na prática do Drawback.

 

Assim, focaremos a nossa análise nos aspectos tributários da concessão do referido Regime Aduaneiro Especial pelo DECEX, e as suas implicações

 

Retomando, temos que após a leitura do referido artigo 5º, podemos constatar que em momento algum o seu texto condiciona a utilização do regime aduaneiro especial ao fato das atividades dos licitantes serem regidas pela Lei nº 8.666/93. Cumpre destacar ainda que nem na redação original do mesmo, isto é, a redação antes do advento da Lei nº 10.184/01, havia qualquer menção no sentido de que o licitante deveria estar submetido às regras previstas no Decreto-Lei nº 2.300/86 (antiga Lei de Licitações).

 

Diante de tal ausência, diversas empresas privadas, ou seja, não regidas expressamente pelas disposições da Lei de Licitações, realizaram alguma das modalidades de licitação previstas na referida lei, principalmente em meados do ano de 2002, ou seja, realizaram algum processo de seletivo entre diversos fornecedores em potencial, com o intuito de adquirir produtos com a melhor qualidade e menor preço possível.

 

Após tal “processo seletivo”, a empresa vencedora ingressava com o seu pedido de concessão de Drawback Mercado Interno perante o DECEX, comprovando, para tanto, que participou a sua participação e vitória no certame.

 

Ao analisar o pedido, o DECEX era o de que tal “processo seletivo” atendia aos requisitos do artigo 5º da Lei nº 8.032/90, e concedia o regime aduaneiro especial, para que a empresa industrializasse os produtos importados, nos termos do RIPI, e os revende-se para a empresa que realizou o “processo seletivo”.

 

Isto é, na época do pedido de concessão o DECEX entendia que tal “processo seletivo” realizado por empresas privadas se “equiparava” a um processo licitatório realizado por entidades regidas pela Lei nº 8.666/93, e tanto é assim que deferia o pedido de concessão sem maiores delongas neste sentido.

 

Com isso, a empresa que utilizou o benefício adimplia com as condições (industrialização dos produtos e revenda no mercado interno), dentro do prazo estipulado para tanto, dando posteriormente baixa na operação junto ao DECEX.

 

Por sua vez, a empresa “licitante” pagava por estes produtos com recursos provenientes de financiamento concedido por instituição financeira internacional, ou pelo próprio BNDES, desde que tais recursos tivessem sido captados no exterior.

 

Considerando que o presente texto visa pormenorizar os impactos tributários advindos da revisão dos atos concessórios, deixaremos de adentrar em conceitos do Direito Administrativo, tal qual o conceito de “Licitação Internacional”, focando assim a nossa análise nas repercussões tributárias.

 

Pois bem, deixando de lado o conceito de “Licitação Internacional”, seja ele no sentido que for (se aplicável somente para entidades públicas ou também para empresas privadas), temos que o DECEX, enquanto órgão responsável pela concessão e baixa do Regime Aduaneiro Especial, ao examinar diversos pedidos de concessão de Drawback Mercado Interno, como apontado acima, firmou posicionamento no sentido de que os “processos seletivos” realizados por empresas privadas se enquadravam no conceito previsto no artigo 5º da lei em comento.

 

Isto é, o DECEX solicitou, ou pelo menos deveria ter solicitado, diversos documentos da empresa a ser beneficiada pelo regime, bem como todos os documentos relativos ao “processo seletivo”, para só assim emitir o seu parecer sobre a aplicabilidade do Regime Aduaneiro Especial ao respectivo caso, ou seja, para só assim deferir o ato concessório da operação.

 

Sendo assim, ao deferir o Drawback exarou o seu posicionamento, ou critério jurídico adotado, para este determinado tipo de operação, fazendo com que, diversas empresas privadas que se enquadrassem na mesma situação viessem a postular as benesses do referido regime aduaneiro.

 

Com isso, temos agora que o MPF, ao oficiar o MDIC e o DECEX, deseja que os mesmos adotem a interpretação dele para o referido dispositivo legal, qual seja, que somente as entidades sujeitas aos ditames da Lei nº 8.666/93 é que fariam jus ao benefício fiscal, e ainda, desde que, a fruição desta benesse estivesse devidamente mencionada no instrumento convocatório do certame.

 

Ora, nos parece, pelo menos em um primeiro momento, que a revisão dos atos concessórios de Drawback não poderia fazer com que os tributos incidentes sobre a importação das matérias-primas, produtos e componentes pudessem ser exigidos pelo Fisco, justamente por conta das disposições constantes do artigo 146 do Código Tributário Nacional, o que transcrevemos:

 

“Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.”

 

Ou seja, se o DECEX ao deferir os Atos Concessórios adotava um critério jurídico para tanto, e agora, instado a revisar os Atos, resolve adotar um novo critério jurídico, não pode o mesmo oficiar a SRF para que ela cobre estes tributos de fatos geradores que se efetivaram antes da mudança do seu entendimento.

 

O que poderia e deveria ter sido feito para tal revisão, deveria ser estritamente a análise e verificação dos documentos apresentados, com o intuito de realmente apurar se o que foi declarado pelo contribuinte realmente se realizou ou não. Isto é, se os fatos declarados pelo contribuinte realmente ocorreram, ou se o mesmo prestou alguma informação irregular ou apresentou algum documento falso, para aí sim usufruir de má-fé do benefício fiscal instituído pelo legislador ordinário.

 

Com isso, tendo o contribuinte prestado informações e apresentado os documentos fiéis da transação, agindo assim de plena boa-fé, e tendo o DECEX, ao analisar os mesmos, entendido que aquela determinada operação preenchia os requisitos previstos no artigo 5º da Lei nº 8.032/90, não pode agora o DECEX, com base na mudança de critério jurídico, anular os Atos Concessórios que anteriormente havia deferido, para que o Fisco possa cobrar os tributos que haviam ficado suspensos, na medida em que o contribuinte estaria resguardado pelo disposto no artigo 146 do CTN.

 

 

Ademais, cumpre ainda destacar, que a SRF participa do desembaraço aduaneiro dos produtos importados, podendo, a qualquer tempo durante este desembaraço, solicitar documentos e informações do importador.

 

para que assim apresento mesmo realmente participou de um “processo seletivo”, e se realmente o mesmo efetuou uma operação de Drawback, com a venda das mercadorias no mercado interno

 

Diante de todo o exposto, só podemos concluir que, mais uma vez a Administração Pública exerce a sua política fiscalista, meramente arrecadatória, na medida em que a revisão dos Atos Concessórios não almeja anular as relações jurídicas decorrentes de condutas ilícitas, que tenham estejam consubstanciadas na má-fé de alguns contribuintes, mas visa sim anular, tão-somente, as relações que se interpretadas de outra maneira, poderiam resultar em maior arrecadação para o Fisco.

 

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