Caracterização de Estabelecimentos Permanentes de empresas norte-americanas na África do Sul – Interpretação do Tratado firmado entre os dois países pela Tax Court de Joanesburgo.
Luis Guilherme B. Gonçalves
- Introdução e Breve Histórico do Caso
Este artigo tem por objetivo a análise de caso envolvendo as empresas AB LLC e BD Holdings LLC, ambas com sede nos Estados Unidos da América, as quais prestaram serviços de consultoria estratégica e financeira para uma companhia área baseada na África do Sul[1], tendo sido autuadas pelo Fisco sul-africano (‘SARS‘) que entendeu haver elementos suficientes para a caracterização de Estabelecimentos Permanentes destas empresas em seu país.
Tanto a AB LLC e como a BD Holdings LLC, doravamente designadas em conjunto com “LLCs”, firmaram formalmente contratos para a prestação destes serviços de consultoria em 2007, tendo iniciado esta prestação, dividida em três fases distintas, no mês de fevereiro deste mesmo ano, situação esta que perdurou até o mês de maio de 2008.
Para a prestação destes serviços, 17 empregados das LLCs chegaram a ir para a África do Sul durante o ano de 2007 e por lá ficaram por um prazo superior a 183 dias (prazo usual para a caracterização de residência fiscal de pessoas físicas, assim como para restar caracterizado um Estabelecimento Permanente), sendo que a empresa sul-africana, contratante dos serviços, disponibilizou um espaço físico (‘boardroom‘) para estes profissionais prestarem os serviços in loco. Tal espaço foi disponibilizado somente durante os dias úteis da semana, dentro do horário usual de trabalho dos empregados da contratante, não possuindo assim as LLCs qualquer autonomia para acessar o local fora de tais períodos.
Dentre estes 17 empregados, 3 deles compunham o “núcleo técnico” do projeto e viajavam para a África do Sul periodicamente para o acompanhamento da evolução e qualidade dos serviços prestados, permanecendo usualmente naquele país pelo prazo de 3 a 4 semanas em cada visita.
Os honorários devidos para as LLCs (‘service fees’) foram pagos no decorrer da prestação dos serviços, isto é, entre 2007 e 2008, sendo que em 2009, após a conclusão destes, as LLCs receberam também quantias adicionais a título de honorários de êxito (‘success fees‘)[2].
Em 14 de junho de 2011, as LLCs foram autuadas pelo SARS em relação aos rendimentos obtidos nos anos de 2007, 2008 e 2009, passando o Fisco a exigir também o chamado Imposto Adicional, cuja “mecânica” se assemelha a uma multa, acrescido de juros moratórios, em decorrência da falta de pagamento tempestivo do Imposto de Renda, assim como em decorrência da falta de entrega das obrigações acessórias, notadamente as Declarações de Imposto de Renda, isto com base nos artigos 76 e 89(2) do Income Tax Act.
Inconformada com a autuação, as LLCs apresentaram as suas defesas (objeções), nos termos da ‘Rule 3’ do artigo 107A do Income Tax Act, sendo que após o julgamento desfavorável de primeira instância administrativa as LLCs interpuseram os seus recursos de apelação, o que culminou na remessa dos autos para o exame por parte da Tax Court de Joanesburgo.
Passaremos assim, antes de adentrarmos nos detalhes do acórdão da Tax Court propriamente dito, a tecer algumas considerações acerca do tratado firmado entre os dois países, em especial em relação à situação vivida pela África do Sul quando da sua celebração, assim como dos entendimentos esboçados pelo SARS a respeito da caracterização de Estabelecimentos Permanentes em seu país, para ao final tecermos as nossas conclusões em relação ao julgado.
- Considerações sobre o Tratado entre os Dois Países
O tratado para evitar a dupla tributação da renda entre os dois países (“DTA”) foi firmado em 17 de fevereiro de 1997, na cidade do Cabo, África do Sul, tendo entrado em vigor, após a conclusão dos trâmites de ratificação, em 1º de janeiro de 1998, nos termos do artigo 28 da respectiva convenção.
O DTA firmado naquela ocasião veio a substituir o tratado anterior, firmado no período do ‘Apartheid’[3], razão pela qual quando da sua negociação a África do Sul passava por um período de abertura política e comercial para a atração de investimentos estrangeiros significativos, para que assim a maior parte da sua população, antes cerceada, pudesse encontrar mais oportunidades de trabalho e de negócios.
Conforme consta da ‘Letter of Transmittal’ e da ‘Letter of Submittal’ encaminhadas, respectivamente, pela Casa Branca e pelo Departamento de Estado ao Congresso norte-americano, o tratado firmado com a África do Sul seguiu praticamente os ditames da Convenção-Modelo dos EUA, inclusive no que tange às previsões de ‘Limitation on Benefits’ previstas no referido modelo[4].
Diante disso, parece-nos que quando da celebração do tratado o governo sul-africano acabou optando por não inserir dispositivos que pudessem atrair de forma mais balanceada a tributação de rendimentos para o lado do seu país[5], tendo de certa forma se contentado em firmar a convenção para atrair, no curto prazo, o maior número possível de investidores e de negócios, isto é, adotou o modelo norte-americano sem maiores ressalvas específicas, deixando de lado a preocupação de uma potencial perda direta de arrecadação[6].
De lá para cá, o SARS não se deparou com frequência com casos de caracterização de Estabelecimentos Permanentes[7], sendo que justamente por conta disso é que a decisão proferida pela Tax Court de Joanesburgo ganhou grande destaque à época da sua prolação, tendo sido noticiada por diversos veículos de informação, tanto no próprio país quanto no exterior, notadamente nos EUA e na Europa.
É importante destacar que o SARS se manifestou em algumas ocasiões, por meio de ‘Binding Private Rulings’ (‘BPR’s’), sobre questões relacionadas à caracterização de Estabelecimentos Permanentes, além de questões conexas, sendo que usualmente ele tem adotado uma postura razoável, em consonância com as orientações da OCDE e precedentes internacionais aplicáveis, ou seja, não tem adotado uma postura meramente fiscalista, totalmente descolada da realidade dos fatos e circunstâncias de cada caso, apenas com o fito de incrementar a arrecadação[8].
E, justamente pelo fato de ter sido a primeira decisão local relevante sobre a matéria, é que a decisão ora em comento fez com que grandes grupos empresariais passassem a rever a sua sistemática de atuação na África do Sul de modo a diminuir os riscos de caracterização de Estabelecimentos Permanentes por lá, até porque boa parte destes grupos costumava operar no país, conduzindo projetos e prestando serviços, sem se valer de uma subsidiária ou filial local, tentando assim minimizar os encargos tributários por meio da alocação de receitas diretamente no exterior.
Conforme veremos mais adiante, as conclusões exaradas pela Tax Court quando da análise do caso parecem estar bem balizadas, muito embora o caminho escolhido para esta análise não tenha sido o “mais recomendado”, o que gerou certa confusão no decorrer da sua fundamentação e até mesmo surpresa para alguns contribuintes e profissionais da área.
Traremos agora à colação os dispositivos do DTA aplicáveis ao caso, para logo em seguida discorrer sobre os pontos específicos do acórdão.
- 1. Das Disposições Aplicáveis no âmbito do Tratado
O DTA, em seu artigo 7º (Lucro das Empresas), item (1), traz as seguintes provisões:
“The profits of an enterprise of a Contracting State shall be taxable only in that State unless the enterprise carries on business in the other Contracting State through a permanent establishment situated therein. If the enterprise carries on business as aforesaid, the profits of the enterprise may be taxed in the other State but only so much of them as is attributable to that permanent establishment.”
Assim, nos termos do referido dispositivo, para que as LLCs pudessem ser tributadas na África do Sul, seria necessária a caracterização de um Estabelecimento Permanente delas naquele país, caso contrário os rendimentos por elas auferidos estariam sujeitos à tributação somente do lado norte-americano[9].
No que tange à definição de um Estabelecimento Permanente, o artigo 5º do DTA traz as seguintes disposições:
“(1) For the purposes of this Convention, the term ‘permanent establishment’ means a fixed place of business through which the business of an enterprise is wholly or partly carried on.”
“(2) The term ‘permanent establishment” includes especially – (a) a place of management; (b) a branch; (c) an office; (d) a factory; (e) a workshop; (f) a mine, an oil or gas well, a quarry or other place of extraction of natural resources; (g) a warehouse, in relation to a person providing storage facilities for others; (h) a store or premises used as a sales outlet; (i) a ship, drilling rig, installation or other structure used for the exploration or exploitation of natural resources, but only if it lasts more than twelve months; (j) a building site or construction, installation or assembly project or supervisory activities in connection therewith, where such site, project or activities lasts more than twelve months and (k) the furnishing of services, including consultancy services, within a Contracting State by an enterprise through employees or other personnel engaged by the enterprise for such purposes, but only if activities of that nature continue (for the same or a connected project) within that State for a period or 11 periods aggregating more than 183 days in any twelve-month period commencing or ending in the taxable year concerned.”
Ou seja, os itens (1) e (2) do artigo 5º do DTA entre os Estados Unidos da América e a África do Sul são idênticos dos itens (1) ao (a) e (2)(f) da Convenção Modelo da OCDE[10].
- A Decisão da Tax Court de Joanesburgo
Conforme expusemos acima, o SARS entendeu que os elementos de conexão necessários para a caracterização de um Estabelecimento Permanente das LLCs estavam presentes. Em síntese, o SARS alegou que:
- os rendimentos derivados de serviços de consultoria constituem causa provável para a atribuição de lucros a um Estabelecimento Permanente, nos termos do artigo 7º, item (1) do DTA;
- a atividade de consultoria desempenhada pelas LLCs resultava na caracterização de um Estabelecimento Permanente pelo fato de que tais serviços estavam expressamente incluídos na definição contida no artigo 5º(2)(k) do DTA, uma vez que tais serviços foram prestados em solo sul-africano por um prazo superior a 183 dias; e
- O ‘boardroom‘ fornecido pela tomadora sul-africana dos serviços constituía um “local fixo de negócios”, nos termos do artigo 5º(1) do DTA.
Por seu turno, as LLCs[11] trouxeram as seguintes alegações em sua defesa:
- As instalações (‘boardroom‘) da empresa tomadora sul-africana fornecidas para as LLCs não caracterizavam um “local fixo de negócios” nos termos do artigo 5º(1) do DTA, razão pela qual referido dispositivo não poderia ser utilizado pelo SARS para fins atribuição de resultados passíveis de tributação local pelo Imposto de Renda;
- Por consequência, não poderiam ser aplicadas as disposições contidas no artigo 5º(2)(k), uma vez que elas dependeriam da aplicação prévia do disposto no artigo 5º(1), ou seja, uma vez não estando presentes os requisitos para a caracterização de um “local fixo de negócios”, prevista no item (1) do artigo 5º, a inclusão especial feita para a prestação de serviços contida no artigo 5º(2)(k) não poderia ser invocada pelo SARS de forma isolada para a atribuição e tributação de rendimentos;
- Subsidiariamente, foi alegado que para o ano de 2008 não restou configurada a periodicidade mínima exigida pelo DTA para a caracterização de um Estabelecimento Permanente, ou seja, como a prestação dos serviços de consultoria expirou no mês de maio do aludido ano, tal prazo seria inferior ao prazo de 183 dias previstos no DTA. Em relação ao ano de 2009, foi alegado que não havia mais a prestação física/presencial de serviços por parte dos profissionais das LLCs em solo sul-africano, razão pela qual os rendimentos recebidos durante o aludido ano, a título de ‘success fees‘, não poderiam ser tributados pelo SARS; e
- Por fim, foi alegado que a exigência de um Imposto (de Renda) Adicional, assim como do pagamento de juros de mora seriam ilegais, uma vez que as LLCs ofereceram os rendimentos à tributação tempestivamente nos EUA, o que se deu justamente pelo fato de as LLCs desconhecerem a legislação sul-africana e, por consequência, as obrigações principais e acessórias que deveriam ter sido cumpridas.
Há que se frisar assim que o ponto central da controvérsia entre o SARS e as LLCs resulta da própria redação do DTA, uma vez que os negociadores dos dois países optaram por incluir as disposições relativas à caracterização de um Estabelecimento Permanente, em decorrência da prestação de serviços, na alínea (k) do artigo5º(2), ao invés de terem estipulado a sua inserção em um artigo autônomo, a exemplo do que ocorre no artigo 5º(3)(b) da Convenção-Modelo da ONU[12].
Ao adotarem este cenário, a hipótese de caracterização de um Estabelecimento Permanente, que deveria estar prevista de forma autônoma, passou a figurar junto com as hipóteses meramente ilustrativas de caracterização contidas no artigo 5º(2).
Daí o motivo pelo qual, no entender das LLCs, a hipótese contida no artigo 5º(2)(k) deveria ser considerada também meramente ilustrativa da caracterização prevista no artigo 5º(1) e não uma hipótese autônoma.
O Tribunal, quando do exame do Recurso de Apelação, trouxe uma análise detalhada acerca do roteiro de interpretação a ser adotado no que tange à aplicação de tratados internacionais, trazendo à colação precedentes britânicos relativos aos “testes” a serem aplicados para a verificação de controle e gerenciamento de empresas[13] para fins de caracterização de sua residência fiscal.
Ao trazer os precedentes, o Tribunal fez uma análise sobre situações/decisões que resultaram na dupla tributação de rendimentos, destacando que evitar a dupla tributação é um dos grandes desafios para as administrações tributárias na busca pela justiça fiscal.
E, para mitigar os seus efeitos, o Tribunal destacou que os Acordos para Evitar a Dupla Tributação da Renda são de extrema importância, sendo ainda destacado que tais acordos visam também combater a evasão fiscal[14] enquanto que, ao mesmo tempo, buscam estimular e proteger o comércio e os investimentos bilaterais.
Antes de ingressar na análise das alegações trazidas pelas LLCs e pelo SARS, o Tribunal destacou[15] que a assinatura do DTA com os EUA seguiu os ditames previstos na Seção 108(2) do Income Tax Act sendo que, nos termos do artigo 231(4) da Constituição Sul-Africana, o DTA foi internalizado na legislação local, passando a ter o mesmo peso/hierarquia em relação às normas domésticas[16].
Ao iniciar a análise das alegações trazidas pelas LLCs, o Tribunal consignou que havia um contrato formal entre elas e a empresa sul-africana tomadora dos serviços, sendo que esta última disponibilizou parte das suas instalações para os empregados/profissionais das LLCs prestarem os serviços objeto da contratação. Na maior parte do tempo, tais profissionais ficam alocados no ‘boardroom‘ da empresa tomadora, onde havia sido disponibilizada uma linha telefônica, a qual poderia ser utilizada somente para tratar de temas relativos ao projeto, assim como 4 mesas para a acomodação dos profissionais, computadores e materiais de trabalho.
Não obstante, foi reconhecido pelo Tribunal que os profissionais das LLCs circulavam ocasionalmente por outros setores da sede da empresa tomadora, com o objetivo de coletar dados e informações adicionais mas, de forma geral, os serviços eram prestados efetivamente no ‘boardroom‘, onde estes profissionais interagiam diariamente para definir as soluções e recomendações a serem feitas para a empresa tomadora, servindo este ‘boardroom‘ como um verdadeiro ‘hub‘ para com os profissionais das LLCs que estavam situados em outras jurisdições, em especial nos EUA. Pesou também para o Tribunal o fato de que as instalações da empresa tomadora estavam situadas em um só local, ou seja, não havia um deslocamento expressivo dos profissionais das LLCs por diversos estabelecimentos situados em localidades distintas.
Vale destacar ainda que a própria testemunha indicada pelas LLCs aduziu que o ‘boardroom‘ funcionava como uma “verdadeira sala de máquinas”, onde eram produzidos os relatórios e papéis de trabalho, os quais eram repassados para a diretoria da empresa sul-africana para fins de tomada de decisão.
Continuando, ao analisar as alegações das LLCs no sentido de que o disposto no artigo 5º(2)(k) não deveria ser aplicado de forma isolada, isto é, somente após preenchidos os requisitos contidos no artigo 5º(1), o Tribunal asseverou que tais alegações já foram até reconhecidas em algumas jurisdições, no entender das quais poderia se concluir que a relação de hipóteses previstas no artigo 5º(2) deveria ser considerada como “meramente ilustrativa” e não como hipóteses adicionais àquela prevista no artigo 5º(1).
Contudo, no entender do relator, tal interpretação não leva em conta particularmente a presença da expressão ‘includes especially‘ nos tratados[17], razão pela qual ela pode não ser aplicada em todas as jurisdições[18], ainda que o tratado tenha sido firmado com base na Convenção-Modelo da OCDE.
Apoiado em precedentes[19], onde foram examinadas as questões de tributação de rendimentos pela África do Sul de uma pessoa física residente na Suíça, o relator consignou ser de extrema importância que a interpretação de um tratado “deve necessariamente buscar a efetividade da convenção de maneira que ela seja congruente com as expressões nele utilizadas”[20], razão pela qual a expressão ‘includes especially‘ não poderia ser descartada, mas sim, pelo contrário, deveria ser interpretada de forma que a sua presença ali traria certa inteligência ao conceito de ‘Estabelecimento Permanente’ para fins de aplicação de um tratado.
Com isso, o relator passou a buscar o significado da palavra ‘incluir’ trazendo, para tanto, as definições contidas em dicionários, assim como em um precedente jurisprudencial[21], para ao final de seu raciocínio concluir que tal palavra é frequentemente empregada, em especial no âmbito legislativo, para determinar o alargamento de uma coisa ou conceito.
Assim, no entender do relator, a presença da expressão ‘includes especially‘ poderia até levar à conclusão de que as disposições do artigo 5º(2)(k) devessem estar contidas nas previsões do artigo 5º(1) retratando uma hipótese ilustrativa, ou seja, fariam parte integral do próprio artigo 5º(1), não podendo ser consideradas de forma isolada, sob pena de invalidar o próprio escopo do tratado, até porque segregar os itens do referido artigo invalidaria a própria expressão ali inserida pelos estados contratantes.
Contudo, o relator destacou que a interpretação usualmente adotada, com base nos comentários da Convenção-Modelo da OCDE, estaria limitada às alíneas de (a) a (f) do artigo 5º(2), estas sim qualificadas como hipóteses meramente ilustrativas, uma vez que tais alíneas estariam se referindo a um “local de trabalho”, enquanto que a alínea (k) estaria se referindo a uma “forma de trabalho”, o que faria com que a sua aplicação fosse feita de forma independente e isolada, não havendo a necessidade de primeiro se enquadrar a situação no disposto no artigo 5º(1).
O relator refutou também o argumento trazido pelas LLCs com base em um precedente[22] do Tribunal Federal de Apelações do Canadá, o qual versava sobre a aplicação do tratado firmado por aquele país com os Estados Unidos da América[23].
Segundo o relator, o precedente invocado não seria aplicável ao caso sob análise, na medida em que no tratado firmado entre o Canadá e os EUA não há qualquer previsão similar ao artigo 5º(2)(k) do DTA em referência, sendo que o artigo 14 do tratado canadense (objeto da análise daquela corte) traria somente uma previsão “levemente similar”, mas totalmente fora do contexto do DTA firmado pela África do Sul com os EUA.
Outrossim, o relator destacou que a aplicação do precedente estaria em desacordo com a própria Nota Técnica do DTA firmado entre a república sul-africana e os EUA, na medida em que tal Nota Técnica poderia ser considerada como um elemento norteador para a interpretação deste tratado em especial[24].
Há que se frisar aqui que a Nota Técnica foi editada pelo Departamento do Tesouro norte-americano, ou seja, contém as orientações a serem consideradas pelo Fisco daquele país (‘IRS’), não tendo sido mencionada ou localizada qualquer referência no sentido de que tal nota tenha sido efetiva e formalmente adotada pelo governo sul-africano para fins de aplicação e interpretação do DTA.
Retomando, o relator lembrou ainda do que fora consignado na Nota Técnica em relação ao subparágrafo/alínea (k) do artigo 5º(2), abaixo transcrito para melhor compreensão do raciocínio do relator:
“According to paragraph 2, the term permanent establishment includes a place of management, a branch, an office, a factory, a workshop, a mine, oil or gas well, quarry or other place of extraction of natural resources, a warehouse, in relation to the provision of storage facilities for others, and a store or other premises used as a sales outlet. The paragraph also specifies, in subparagraph (k), that the furnishing of services in a Contracting State by an enterprise either through employees or others engaged for that purpose will constitute a permanent establishment, so long as the activities continue in that State for a period or periods aggregating more than 183 days in a twelve-month period that begins or ends in the taxable year concerned.”[25]
(grifos nossos)
Diante disso, reforçou mais uma vez o relator que a Nota Técnica deixa claro que o disposto na alínea (k) não deve ser interpretado da mesma forma que o disposto nas alíneas de (a) a (f), isto é, para a caracterização da hipótese contida na alínea (k) não é necessária à materialização do disposto no artigo 5º(1), não sendo assim necessária a existência de um “local fixo de negócios” para a sua aplicação.
Ao finalizar a sua análise sobre esta alegação em particular, o relator assevera ainda que, mesmo na hipótese de o disposto no artigo 5º(2)(k) não poder ser aplicado de forma separada, haveria elementos suficientes para enquadrar as atividades desempenhadas pelas LLCs na previsão contida no artigo 5º(1), dados os demais fatos e circunstâncias do caso, restando caracterizado um Estabelecimento Permanente das empresas norte-americanas.
Isto porque os empregados das LLCs possuíam um “local fixo de negócios”, disponibilizado exclusivamente para eles, durante todo o período da prestação dos serviços contratados.
Aliás, conforme ressaltado pelo relator, tal situação diferia e muito da situação do Sr. Dudney, cujo caso foi trazido pelas LLCs a título de precedente[26], uma vez que a prestação de serviços por parte deste último não se dava de forma substancial a partir de um local em especial, mas sim em diversos locais disponibilizados pela empresa contratante.
Arrematando o ponto, destacou o relator que o próprio artigo 5º(1) traz a previsão no sentido de que não é necessário que todos os negócios da empresa estrangeira sejam conduzidos pelo Estabelecimento Permanente para que ele seja efetivamente caracterizado, ou seja, a realização ainda que parcial de negócios pode permitir também a sua caracterização[27].
Sobre a alegação das LLCs no sentido de que o requisito de presença física mínima de 183 dias durante o exercício fiscal não foi observado, para fins de caracterização de um Estabelecimento Permanente e mais especificamente para fins de tributação dos rendimentos relativos aos anos de 2007 e 2008, o Tribunal acolheu a argumentação do SARS no sentido de que as LLCs permaneceram em solo sul-africano por dois exercícios fiscais consecutivos, o que resultaria na caracterização de um Estabelecimento Permanente.
Frise-se aqui que o cerne da controvérsia residia na sistemática de cálculo adotada pelo SARS para a verificação do período de 183 dias. Enquanto as LLCs defendiam que para o ano de 2007 o prazo havia se materializado, dado que a prestação dos serviços havia se iniciado efetivamente no mês de março daquele ano, para o ano de 2008 isso não havia ocorrido, uma vez que o encerramento da prestação de serviços se deu no mês de maio daquele ano.
Todavia, no entender do SARS e do Tribunal[28], o DTA não faz referência expressa à caracterização dos 183 dias dentro de um único exercício fiscal, assim entendido como um período em 1º de Janeiro e 31 de Dezembro de cada ano, por exemplo.
Na verdade, conforme destacado pelo Tribunal, o DTA[29] traz expressamente a previsão no sentido de que deve ser considerado ‘a period or periods aggregating more than l83 days in any twelve month period commencing or ending in the taxable year concerned’, o que faria com que os períodos fossem calculados da seguinte forma: de 1º de março de 2007 a 28 de fevereiro de 2008 restaria caracterizado o primeiro período de 183 dias dentro do “exercício fiscal de 2007”; e de 1º de março de 2008 a 28 de fevereiro de 2009 restaria caracterizado o segundo período dentro do “exercício fiscal de 2008”.
Tal possibilidade de interpretação estaria balizada nas expressões ‘the commencing of the fiscal year’ e ‘ending of the fiscal year’ contidas do referido dispositivo do tratado, interpretação esta que acaba por resultar em duplicidade na contagem dos períodos, tradicionalmente conhecida como ‘overlap’, conforme bem reconhecido pelo relator.
Referida duplicidade, contudo, estaria “autorizada” segundo o próprio relator com base nas previsões contidas nos Comentários à Convenção-Modelo da OCDE[30], até porque um dos propósitos do DTA seria o de trazer medidas ‘anti-tax-avoidance’, o que seria justamente o caso em relação à caracterização de um Estabelecimento Permanente.
Isto porque, ao se adotar somente a contagem do período de 183 dias dentro de um ano-calendário (de 01.01 até 31.12), tal mecânica poderia fazer com que os contribuintes estruturassem os seus negócios de tal forma que a possibilidade de caracterização de um Estabelecimento Permanente ficasse bem reduzida, ou então até mesmo nunca viesse a ocorrer[31].
Para a adoção deste entendimento pesou o fato de que as LLCs auferiram rendimentos com base em um único contrato firmado com a empresa sul-africana, tendo alocado os seus profissionais em um espaço físico específico e auferido rendimentos expressivos em decorrência destes serviços[32].
Já no que tange à autuação relativa ao ano-calendário de 2009, o Tribunal reconheceu que de fato as LLCs não tiveram nenhuma presença física em solo sul-africano naquele período, mas ao analisar o Contrato de Prestação de Serviços e seu aditivo, mais especificamente o disposto na cláusula 2.2 deste último, o relator entendeu que muito embora os rendimentos recebidos tenham sido classificados contratualmente como ‘success fees’ e tenham sido pagos somente em 2009, tais valores se referiam à prestação de serviços durante os anos de 2007 e 2008, períodos nos quais as LLCs estavam presentes fisicamente na África do Sul.
Em outras palavras, o Tribunal entendeu que tais rendimentos não foram auferidos em decorrência de serviços prestados efetivamente em 2009, mas sim são derivados dos próprios serviços prestados em 2007 e 2008, tratando-se na verdade de renda diferida.
E, valendo-se ainda do disposto no artigo 7º(1) do DTA[33], arrematou o relator aduzindo que os rendimentos pagos em 2009 poderiam ser também tributados pela África do Sul, uma vez que eles seriam “atribuíveis” aos Estabelecimentos Permanentes das LLCs, ou seja, tais rendimentos não poderiam ser qualificados como sendo independentes da prestação dos serviços nos anos de 2007 e 2008, devendo assim, para fins fiscais, serem imputados aos Estabelecimentos Permanentes[34].
Após a análise das alegações relacionadas à aplicação do DTA, o Tribunal passou a examinar as questões relativas à legislação doméstica, mais especificamente à exigência do Imposto Adicional e dos juros de mora.
Em relação à exigência do Imposto Adicional, ela está prevista na Seção 76 Income Tax Act[35] nos casos onde os contribuintes deixam de entregar as suas Declarações de Imposto de Renda, ou as entregam com informações incorretas, falsas ou contendo omissões.
Nos termos do item (1) da Seção 76, este Imposto Adicional pode chegar a 200% (duzentos por cento) do Imposto de Renda devido, sendo que no presente caso o SARS logo de início foi adiante com a exigência deste percentual, mas oportunamente, após a objeção das LLCs, reduziu a cobrança para 100%, uma vez que nos termos do item (2) a definição do percentual é feita a critério exclusivo do SARS, levando-se em conta eventuais atenuantes[36].
Refutando a exigência do Imposto Adicional, as LLCs asseveraram que caberia ao SARS o ônus da prova em relação à suposta infração, o que não foi materializado no decorrer da inspeção fiscal. As LLCs aduziram ainda que a obrigatoriedade de entrega das Declarações de Imposto de Renda não foi simplesmente ignorada, mas sim mal compreendida, razão pela qual a exigência do Imposto Adicional se revelaria descabida.
Entretanto, o Tribunal refutou tal argumentação, sem adentrar no mérito do ônus probatório, simplesmente aduzindo que era de conhecimento comum que as LLCs deixaram de apresentar as respectivas Declarações de Imposto de Renda, violando assim as disposições legais que regiam a obrigação. Ademais, foi destacado pelo relator que as LLCs já atuavam há muito tempo e em larga escala no âmbito internacional, estando presentes em mais de 20 jurisdições distintas, motivo pelo qual já deveria ser do conhecimento prévio delas a existência de obrigações fiscais similares.
Assim, no entender do Tribunal, a possibilidade de exigência do Imposto Adicional restou mais do que clara, sendo por consequência plenamente aplicável o disposto nos itens (1) e (2) da Seção 76 do Income Tax Act[37].
Por fim, no que tange à parte da autuação relativa à cobrança dos juros de mora, as LLCs alegaram que o SARS deixou de aplicar o disposto na Seção 89quat(3)[38], a qual traria um benefício para elas, dada a argumentação no sentido de que as LLCs não teriam como saber que deixaram de cumprir com as obrigações principais e acessórias, dado o desconhecimento (interpretação equivocada) da legislação sul-africana.
Ao analisar esta argumentação em particular, o Tribunal mais uma vez ressaltou que as LLCs já atuavam em diversas jurisdições estrangeiras, há décadas, razão pela qual os conceitos, princípios e premissas relativos à tributação internacional já deveriam ser de seu conhecimento. Foi ainda destacado que dada a escala de operação das LLCs, seria fundamental para a realização dos negócios que elas se familiarizassem com as regras fiscais dos países onde desejavam operar e que a ausência de tal familiarização seria uma grave negligência e, por conta disso, totalmente irracional.
Neste sentido, a alegação das LLCs de que ofereceram integral e exclusivamente à tributação os rendimentos do projeto ao Fisco norte-americano, o que comprovaria a boa-fé e o desconhecimento da legislação sul-africana, foi totalmente refutada, na medida em que no entender do Tribunal tal decisão foi tomada de forma unilateral pelas LLCs, sem que para tanto elas buscassem qualquer esclarecimento ou posicionamento formal do SARS.
Ainda sobre a exigência dos juros moratórios, um ponto que pesou muito contra as LLCs segundo o relator foi o fato de elas se beneficiarem com o não-pagamento dos tributos ao Fisco sul-africano, uma vez que no entender dele tais recursos permaneceram no patrimônio das LLCs, podendo assim ter gerado rendimentos adicionais, enquanto que o governo local deixou de se beneficiar destas quantias para a prestação de seus serviços à população.
Com isso, a autuação para a exigência dos juros de mora foi mantida pelo Tribunal.
- Nossos Comentários e Conclusões
Conforme narrado acima, a lide teve como ponto central a definição do disposto no artigo 5º(2)(k) como uma hipótese meramente ilustrativa ou como uma hipótese autônoma, dado que os negociadores dos dois países optaram por inserir um dispositivo que usualmente é alocado de forma autônoma, constante do artigo 5º(3) da Convenção-Modelo da ONU, no rol ilustrativo do artigo 5º(2).
Diante disso, melhor teria sido se a Tax Court se valesse do disposto dos artigos 31 e 32 da Convenção de Viena[39] para a interpretação do DTA, o que poderia até se dar mediante a utilização de recentes precedentes da própria Common Law, emanados dos tribunais da Inglaterra[40].
Isto porque o artigo 32(a), em especial, poderia ser invocado para se valer de fontes suplementares de interpretação, ao invés de a Tax Court ter de adentrar na definição da expressão ‘includes especially’. Com base no respectivo dispositivo da Convenção de Viena, os julgadores poderiam ter tentado esclarecer melhor a funcionalidade do disposto no artigo 5º(2)(k), tomando-se por base, inclusive, o previsto na própria Convenção-Modelo da ONU.
Com isso, em face dos fatos, circunstâncias e argumentos acima[41], muito embora o roteiro/caminho para a análise não tenha sido o mais claro, objetivo e balizado nos moldes da melhor técnica interpretativa, parece-nos que a Tax Court de Joanesburgo ainda sim andou bem ao rejeitar os recursos de apelação interpostos pelas LLCs, adotando como parâmetro os Comentários à Convenção-Modelo da OCDE[42].
Neste sentido e de forma mais específica, parece-nos que:
- de fato, a utilização do disposto no artigo 5º(2)(k) de forma isolada, isto é, sem a necessidade de observância prévia dos requisitos contidos no artigo 5º(1), se revela razoável, na medida em que a alínea (k) traz uma previsão específica relacionada à prestação de serviços por meio de presença física no país, o que não se verifica nas hipóteses de (a) a (f). Aliás, este parece ser o racional utilizado pela própria Nota Técnica do tratado[43]muito embora esta, conforme antecipamos acima, reflita exclusivamente o posicionamento do lado norte-americano. Ademais, a utilização das disposições contidas nos comentários à Convenção-Modelo da OCDE, que poderiam ter sido utilizadas até em conjunto com as previsões contidas nos artigos 31 e 32 da Convenção de Viena[44], se revela válida e razoável, sendo assim plenamente admissível considerar o artigo5º(2)(k) de forma isolada para fins de caracterização de um Estabelecimento Permanente;
- ainda que os requisitos contidos no artigo 5º(1) tivessem que ser preenchidos logo de início, no caso em análise houve a configuração de um “local fixo de negócios” na África do Sul, dado o fato de que a empresa tomadora disponibilizou especificamente uma sala em seu estabelecimento (‘boardroom’) para os profissionais alocados pelas LLCs, sendo que a partir desta sala se dava a efetiva prestação de serviços por parte de 17 profissionais, 3 deles considerados essenciais para a conclusão do projeto com a qualidade almejada, os quais visitavam o país de forma ocasional, permanecendo nestas visitas por um prazo de 3 a 4 semanas;
- em relação à exigência do Imposto de Renda sobre os rendimentos auferidos em 2009, ou seja, em período no qual a presença física dos profissionais das LLCs já havia cessado, ela se revela possível e razoável, na medida em que, com base no relatado no acórdão, os valores seriam devidos a título de ‘sucess fees’, ou seja, seriam devidos em decorrência da prestação dos serviços nos anos de 2007 e 2008, guardando total relação com estes, enquadrando-se assim na expressão ‘attributable to that permanent establishment’ contida no artigo 7º(1) do Até porque, caso os serviços não tivessem sidos prestados no decorrer dos anos de 2007 e 2008, os ‘success fees’ não teriam sido pagos pela empresa contratante;
- a alegação de desconhecimento da legislação sul-africana, assim como a de boa-fé expressada por meio do oferecimento à tributação da integralidade dos rendimentos do contrato ao Fisco norte-americano se revela muito frágil, até porque, conforme bem destacado pelo Tribunal, as LLCs já estavam bem acostumadas a operar em várias jurisdições estrangeiras, há vários anos, sendo que pelo porte das suas operações é esperado um mínimo de zelo para a condução dos seus negócios de forma que o grupo de empresas venha a cumprir com as leis dos países onde opera;
- no que tange à exigência do Imposto Adicional, por força das previsões contidas na legislação doméstica, tudo indica que tal figura se assemelha a uma multa, sendo que neste caso tal exigência se revelaria cabível, dada a existência de comando legal previamente existente, assim como o enquadramento da conduta das LLCs na hipótese descrita em lei, qual seja, falta de pagamento do Imposto de Renda devido e ausência de entrega das Declarações de Imposto de Renda;
- a exemplo da conclusão relativa ao Imposto Adicional, a exigência dos juros de mora também se revela lícita, na medida em que as LLCs deixaram de honrar de forma tempestiva com o pagamento do Imposto de Renda devido nos anos de 2007, 2008 e 2009, o que de fato resultou em “ganho financeiro” para elas.
Por fim, dado o desfecho do caso em análise, assim como levando-se em conta a postura do SARS no sentido de incrementar as fiscalizações/auditorias fiscais, acompanhadas das iniciativas legislativas sul-africanas nos últimos anos, revela-se prudente uma análise prévia e detalhada acerca das particularidades operacionais de projetos que envolvam a prestação de serviços por meio de presença física naquele país, tendo em vista a possibilidade de caracterização de Estabelecimentos Permanentes, o que por certo pode vir a resultar em bitributação, a depender da forma de apuração de resultados e do seu oferecimento à tributação na jurisdição de origem do prestador.
[1]Caso nº 13.276 (ZATC 2) julgado em 15 de Maio de 2015 – AB LLC & BD Holdings LLC vs. the Commissioner of the South African Revenue Services.
[2] Com base nas informações e documentos disponibilizados, o valor envolvido seria de aproximadamente US$ 5,3 milhões, mas não foi possível concluir se este valor seria o montante relativo ao lucro arbitrado para o Estabelecimento Permanente ou a receita bruta a ele atribuída.
[3] O regime de segregação racial denominado ‘Apartheid’ vigorou entre os anos de 1948 e 1994.
[4] O inteiro teor das cartas pode ser obtido por meio do seguinte link: https://www.congress.gov/treaty-document/105th-congress/9/document-text – acessado pelo autor em 24 de junho de 2016.
[5] O governo sul-africano poderia, por exemplo, ter tentado inserir algumas disposições constantes da Convenção-Modelo da ONU, a qual traz previsões mais favoráveis para os países importadores de capital.
[6] Conforme será esmiuçado mais adiante, muito embora o DTA tenha sido firmado com base no modelo norte-americano, o SARS, assim como a própria Tax Court de Joanesburgo, adotou as orientações contidas nos Comentários à Convenção-Modelo da OCDE.
[7] Não foi localizada até a data de elaboração do presente artigo qualquer outra referência relevante neste sentido que tenha resultado em autuação por parte do SARS e julgamentos pelas instâncias administrativas e judiciais do país.
[8] Neste sentido, vale destacar os seguintes ‘BPR’s’: (i) #082 de 19 de maio de 2010; (ii) #102 de 04 de maio de 2012; e (iii) #215 de 22 de dezembro de 2015.
[9] Vale destacar que não foi trazido para a análise da Tax Court nenhum argumento no sentido de que as LLCs não poderiam pleitear a aplicação do DTA pelo fato de não se qualificarem no requisito de residência fiscal nos EUA, ou seja, pelo menos com base na ausência desta informação, parece-nos que as LLCs eram consideradas residentes fiscais nos EUA para fins do Imposto de Renda federal.
[10] Referida identidade foi também destacada pelo próprio relator do acórdão, conforme se depreende do parágrafo 13 da decisão.
[11] Para fins do julgamento do caso, as LLCs pleitearam ser tratadas como uma única empresa, o que foi aceito pelo SARS e pela Tax Court de Joanesburgo.
[12] Conforme consulta realizada ao texto da Convenção-Modelo – http://www.un.org/esa/ffd/documents/UN_Model_2011_Update.pdf – acessado em 24.06.2016.
[13] ‘Calcutta Jute Mills Co Ltd v Nicholson 1 TC 83’; ‘Cesena Sulphur Co Ltd v Nicholson 1 TC 88; [1874- 80] All ER Rep 1102 (Exch D)’; ‘De Beers Consolidated Mines Ltd v Howe [1906] AC 455 at 458′ de lavra da House of Lord; e ‘Wood v Holden (Inspector of Taxes)[2005] EWHC 547 (Ch) at [21]’
[14] Este combate à evasão foi bem destacado pela Tax Court no decorrer da sua decisão justamente pelo fato de que em seu entendimento a estrutura operacional montada pelas LLCs visava evitar o pagamento de tributos na África do Sul.
[15] Vale destacar que nem as LLCs e nem o SARS trouxeram quaisquer alegações no sentido de que a convenção deveria ter sido tratada com certa primazia em relação à legislação local e vice-versa.
[16] Para mais informações sobre o tratamento hierárquico vide o caso ‘Secretary for Inland Revenue v Downing 1975 (4) SA 518 (A) at 523 in fin’.
[17] Vale frisar que em caso praticamente idêntico, o Income Tax Appeal Tribunal da Índia decidiu que a previsão contida no artigo 5º(2)(k) do tratado firmado no ano de 1993, entre aquele país e o Reino Unido, deveria ser interpretada de forma extensiva à regra contida no artigo 5º(1), constituindo assim uma nova categoria de Estabelecimento Permanente, prevista nas Convenções-Modelo da OCDE e da ONU – vide caso Linklaters LLP v Income Tax Officer-International Taxation, Ward 1(1)(2), Mumbai ITA – #4896/Mum/03 e #5085/Mum/03.
[18] Esta possibilidade de não-aplicação é reconhecida por parte da doutrina internacional, vide, por exemplo, BAKER, Philip in ‘Double Taxation Conventions‘, Series Sweet & Maxwell’s Tax Library, originalmente publicado em 2001.
[19] Vide ‘Secretary for the Inland Revenue v Downing 1975 (4) SA 518 (A)‘ e ‘Commissioner, South African Revenue Service v Tradehold Ltd 2013 (4) SA 184 (SCA)’
[20] Livre tradução de trecho da conclusão do relator do acórdão.
[21] Vide caso ‘R v Debele‘, 1956 (4) SA 570 (A).
[22] Vide caso ‘The Queen v Dudney’ WA (2000) D.T.C. 6169.
[23] Ao examinar o caso, o tribunal canadense analisou o disposto no artigo 14 do tratado firmado com os EUA, sendo que concluiu pela não-caracterização de um “local fixo de negócios” por parte do Sr. William A. Dudney, dada a ausência de um local próprio para a prestação dos seus serviços para a empresa tomadora. A seguir transcrevemos um trecho importante da decisão, apenas para fins ilustrativos: “In this case, the Tax Court Judge was correct to consider these factors to be relevant and determinative. The evidence as a whole gives ample support for the conclusion that the premises of PanCan were not a location through which Mr Dudney carried on his business. Although Mr Dudney had access to the offices of PanCan and he had the right to use them, he could do so only during PanCan’s office hours and only for purpose of performing services for PanCan that were required by his contract. He had no right to use PanCan’s offices as a base for the operation of his own business. He could not and did not use PanCan’s offices as his own.”
[24] No preâmbulo da Nota Técnica há a seguinte previsão citada pelo relator: “This document is a technical explanation of the Convention between the United States and South Africa which was signed on February 17, 1997 (the “Convention”). … The Technical Explanation is an official guide to the Convention. It reflects the policies behind particular Convention provisions, as well as understandings reached with respect to the application and interpretation of the Convention.”
[25] Transcrição do artigo 5º(2) da “Technical Explanation of the Convention Between the United States of America and the Republic of South Africa for the Avoidance of Double Taxation and the Prevention of Fiscal Evasion with Respect to Taxes on Income and Capital Gains” – trecho obtido a partir do link: https://www.irs.gov/pub/irs-trty/safrtech.pdf – acessado em 20.06.2016.
[26] Conforme destacamos anteriormente.
[27] Um dos argumentos secundários invocados pelas LLCs era no sentido de que a alocação de profissionais na sede da empresa tomadora se dava exclusivamente para fins de cumprimento de suas obrigações contratuais para com aquele cliente em especial, ou seja, havia uma limitação contratual para a condução dos seus negócios, razão pela qual ela não desempenhava atividades estranhas ao objeto desta relação, não podendo assim conduzir com plenitude todos os seus negócios.
[28] Para embasar o referido entendimento, o relator se valeu do disposto nos Comentários à Convenção-Modelo da OCDE (parágrafo 4ª do artigo 15), a seguir transcrito para melhor compreensão: “The three conditions prescribed in this paragraph must be satisfied for the remuneration to qualify for the exemption. The first condition is that the exemption is limited to the 183 day period. It is further stipulated that this time period may not be exceeded “in any twelve month period commencing or ending in the fiscal year concerned”. This contrasts with the 1963 Draft Convention and the 1977 Model Convention which provided that the 183 day period should not be exceeded “in the fiscal year concerned”, a formulation that created difficulties where the fiscal years of the Contracting States did not coincide and which opened up opportunities in the sense that operations were sometimes organised in such a way that, for example, workers stayed in the State concerned for the last 5 1/2 months of one year and the first 5 1/2 months of the following year. The present wording of subparagraph 2 a) does away with such opportunities for tax avoidance. In applying that wording, all possible periods of twelve consecutive months must be considered, even periods which overlap others to a certain extent. For instance, if an employee is present in a State during 150 days between 1 April 01 and 31 March 02 but is present there during 210 days between 1 August 01 and 31 July 02, the employee will have been present for a period exceeding 183 days during the second 12 month period identified above even though he did not meet the minimum presence test during the first period considered and that first period partly overlaps the second.” – trecho obtido por meio do link http://www.oecd.org/berlin/publikationen/43324465.pdf – acessado em 20.06.2016 às 15h00.
[29] Artigo 5º(2)(k).
[30] Vide transcrição dos comentários ao parágrafo 4ª do artigo 15 acima.
[31] Para melhor referência, transcrevemos o parágrafo 48 do acórdão: “(…)As pointed out earlier, one of the reasons for countries to conclude these double taxation treaties is to minimise, if not eliminate, the potential for tax avoidance: the DTA is both an anti-double taxation as well as an anti-tax-avoidance measure. In this case there is no doubt that the appellant earned the income (or made the profit) from carrying its obligations contained in a single contract with X (which may have undergone changes during its lifespan, but these are insignificant for our present purposes) and that it had a presence in South Africa during the entire duration of that contract. The fact that the duration spanned over two fiscal years does not mean that the 183 day period has to be separately calculated for each fiscal year for, as stated in the Commentary on the OECD Model, if the presence in each fiscal year was only 5½ months, then the entity would avoid paying tax to the country in which the income was earned (or profits made) despite the fact that its presence in that country was for longer than 183 days. This interpretation, which is the one we are enjoined by the appellant to adopt, defeats the object of the DTA, is contrary to the intention of the parties and stands in stark contrast to the interpretation proffered in the OECD Commentary. Finally, it bears remembering that double computation of the days in order to cater for the dislocation between the year spent by the non-resident in the Contracting State (South Africa in this case) and the fiscal year of that Contracting State, does not result in the non-resident being taxed twice for the same income (or profit) by the Contracting State. It simply means that the same income (or profit) is divided up and taxed in two parts, but it is never taxed twice. For these reasons, I would have to decline the invitation by the appellant to uphold its appeal against the 2008 tax assessment.”
[32] Usualmente uma das formas adotadas por empresas multinacionais para minimizar os riscos de autuação em decorrência da caracterização de Estabelecimentos Permanentes é a celebração de instrumentos contratuais distintos por duas ou mais empresas do grupo para que assim o prazo possa ser contado de forma separada, o que permitiria uma presença maior de profissionais em solo estrangeiro.
[33] Artigo 7º(1): “1. The profits of an enterprise of a Contracting State shall be taxable only in that State unless the enterprise carries on business in the other Contracting State through a permanent establishment situated therein. If the enterprise carries on business as aforesaid, the profits of the enterprise may be taxed in the other State but only so much of them as is attributable to that permanent establishment” (grifo nosso)
[34] Nas palavras do relator “(…) It was the money that it would have received upon the completion of its operations in 2008, but which could only be accounted for in 2009. It was not income earned (or profit) made in 2009. In a sense, it was deferred income (or profit) for the February 2007–May 2008 period. This aspect of the income (or profit) is covered by article 7(1) of the DTA which provides that the profits of an enterprise made in a State where it held “a permanent establishment” shall be taxable in that State if the profit was “attributable to that permanent establishment”. This is precisely what the success fee was. The respondent correctly assessed it as part of that income (or profit) earned during 2007-2008, but since it was only paid in 2009 treated it as a 2009 assessment. Therefore, the appeal against the 2009 assessment has to fail.”
[35] “76 Additional tax in the event of default or omission
(1) A taxpayer shall be required to pay in addition to the tax chargeable in respect of his taxable income- (a) if he makes default in rendering a return in respect of any year of assessment, an amount equal to twice the tax chargeable in respect of his taxable income for that year of assessment; or (b) if he omits from his return any amount which ought to have been included therein, an amount equal to twice the difference between the tax as calculated in respect of the taxable income returned by him and the tax properly chargeable in respect of his taxable income as determined after including the amount omitted; (c) if he makes an incorrect statement in any return rendered by him which results or would if accepted result in the assessment of the normal tax at an amount which is less than the tax properly chargeable, an amount equal to twice the difference between the tax as assessed in accordance with the return made by him and the tax which would have been properly chargeable.
(2) (a) The Commissioner may remit the additional charge imposed under subsection (1) or any part thereof as he may think fit: Provided that, unless he is of the opinion that there were extenuating circumstances, he shall not so remit if he is satisfied that any act or omission of the taxpayer referred to in paragraph (a), (b) or (c) of subsection (1) was done with intent to evade taxation. (b) In the event of the Commissioner deciding not to remit the whole of the additional charge imposed under subsection (1), his decision shall be subject to objection and appeal. (c) Notwithstanding the provisions of this subsection, the Commissioner may either before or after an assessment is issued agree with the taxpayer on the amount of the additional charge to be paid, and the amount so agreed upon shall not be subject to any objection and appeal.
(3) The additional amounts of tax for which provision is made under this section shall be chargeable in cases where the taxable income or any part thereof is estimated by the Commissioner in terms of section seventy-eight or agreed upon with the taxpayer in terms of the proviso to subsection (2) of the said section as well as in cases where such taxable income or any part thereof is determined from accounts rendered by the taxpayer.
(4) The powers conferred upon the Commissioner by this section shall be in addition to any right conferred upon him by this Act to take proceedings for the recovery of any penalties for evading or avoiding assessment or the payment of tax or attempting to do so.
(5) Any taxpayer who in determining his taxable income as disclosed in his return, deducts, sets off, disregards or excludes any amount the deduction, set-off, disregarding or exclusion whereof is not permissible under the provisions of this Act, or shows as an expenditure or loss any amount which he has not in fact expended or lost, shall be deemed for the purposes of this section to have omitted such amount from his return.
(6) Any taxpayer who wilfully fails to disclose in any return made by him any facts which should be disclosed and the disclosure of which would result in the taxation of the taxpayer’s taxable income on an amount which is higher than the amount which would be taxable on such return, shall for the purposes of this section be deemed to have omitted from his return the amount by which the former amount exceeds the latter.
(7) If in any year of assessment in which the determination of the taxable income of the taxpayer does not result in an assessed loss, he is entitled to the set-off of a balance of assessed loss from the previous year of assessment and such balance is less than it would have been had it been calculated on the basis of the returns rendered by him, he shall for the purposes of this section be deemed to have omitted from his return for the first-mentioned year of assessment an amount equal to the difference between the amount at which such balance is finally determined and the amount at which it would have been determined on the said basis.” Conforme obtido do site http://www.gov.za/sites/www.gov.za/files/Act%2058%20of%201962s_0.pdf – acesso realizado no dia 20.06.2016.
[36] Ao reduzir o percentual o auditor fiscal do SARS não teceu maiores considerações sobre a sua motivação, tendo apenas consignado nos autos o seguinte: “I have considered your submission regarding the imposition of additional tax and I have decided in terms of s 76(2) of the Act to reduce that additional tax imposed to 100%”. Vale frisar que caso as autoridades fiscais constatem que a conduta do contribuinte teve como objetivo principal a evasão fiscal, o Imposto Adicional deve, necessariamente, ser cobrado com o percentual de 200%.
[37] Ainda, no entender do relator, “(…) The appellant benefitted significantly from the waiver granted by the respondent. In my judgment, taking the waiver into account, it cannot be said that the additional tax imposed is disproportionately punitive. I find no fault with its imposition. Hence, its appeal against the additional tax must fail.”
[38] “Where the Commissioner having regard to the circumstances of the case is satisfied that any amount has been included in the taxpayer’s taxable income, or that any deduction, allowance, disregarding or exclusion claimed by the taxpayer has not been allowed, and the taxpayer has on reasonable grounds contended that such amount should not have been so included or that such deduction, allowance, disregarding or exclusion should have been allowed, the Commissioner may, subject to the provisions of section 103(6), direct that interest shall not be paid by the taxpayer on so much of the said normal tax as is attributable to the inclusion of such amount or the disallowance of such deduction, allowance, disregarding or exclusion.”
[39] ‘Vienna Convention on the Law of Treaties’.
[40] Vide os seguintes casos em particular: ‘Anson v HMRC [2015] UKSC 44’ e ‘Ben Nevis (Holdings) Ltd v HMRC [2013] EWCA Civ 578’.
[41] Frise-se mais uma vez que o autor não teve acesso à integra dos termos da autuação, aos autos do processo, assim como aos demais documentos que regeram a prestação dos serviços por parte das LLCs.
[42] Para fins da presente conclusão, analisamos o julgado com base no nosso melhor entendimento da legislação sul-africana, na medida em que o autor não está legalmente habilitado a atuar como advogado/consultor jurídico nesta jurisdição.
[43] “As indicated in the OECD Commentaries (see paragraphs 4 through 8), a general principle to be observed in determining whether a permanent establishment exists (except with respect to the furnishing of services under subparagraph (k) is that the place of business must be “fixed” in the sense that a particular building or physical location is used by the enterprise for the conduct of its business, and that it must be foreseeable that the enterprise’s use of this building or other physical location will be more than temporary.”
[44] “SECTION 3. INTERPRETATION OF TREATIES
Article 31, GENERAL RULE OF INTERPRETATION 1. A treaty shall be interpreted in good faith in accordance with the ordinary meaning to be given to the terms of the treaty in their context and in the light of its object and purpose. 2. The context for the purpose of the interpretation of a treaty shall comprise, in addition to the text, including its preamble and annexes: (a) Any agreement relating to the treaty which was made between all the parties in connexion with the conclusion of the treaty; (b) Any instrument which was made by one or more parties in connexion with the conclusion of the treaty and accepted by the other parties as an instrument related to the treaty. 3. There shall be taken into account, together with the context: (a) Any subsequent agreement between the parties regarding the interpretation of the treaty or the application of its provisions; (b) Any subsequent practice in the application of the treaty which establishes the agreement of the parties regarding its interpretation; (c) Any relevant rules of international law applicable in the relations between the parties. 4. A special meaning shall be given to a term if it is established that the parties so intended.
Article 32. SUPPLEMENTARY MEANS OF INTERPRETATION Recourse may be had to supplementary means of interpretation, including the preparatory work of the treaty and the circumstances of its conclusion, in order to confirm the meaning resulting from the application of article 31, or to determine the meaning when the interpretation according to article 31: (a) Leaves the meaning ambiguous or obscure; or (b) Leads to a result which is manifestly absurd or unreasonable.”